Em 10 de maio, grupos armados atacaram a estação de bombeamento de
água na cidade síria de Alepo. Durante oito dias, 2,5
milhões de pessoas ficaram sem acesso à água potável. Não
está claro quem foi o responsável. As forças do regime e da oposição culpam
umas às outras. Mas uma coisa é certa: em áreas que sofrem com
escassez de recursos hídricos, cada gota vira nova arma de
guerra.
Rios, canais, barragens, esgoto e plantas de dessalinização cada vez mais
tornam-se alvos militares, em movimento parecido com o que acontece com
poços de petróleo, frequentemente queimados em conflitos.
Mas diferentemente dessa prática de guerra, a privação de água como
estratégia bélica é mais cruel, ao afetar não apenas os inimigos armados,
mas populações civis.
Há outra razão: água é insubstituível. Sem uma fonte de qualidade e segura,
aumentam os riscos de contaminação e, inevitavelmente, o
número de doenças e óbitos.
Nouar Shamout, pesquisador da Chatham House, um instituto de política
baseado em Londres, explicou em artigo recente que o uso de fontes de água
como arma tática pode "aumentar as mortes e as taxas de migração" na guerra
civil do país.
O conflito na Síria já dura três anos e acumula um saldo triste: 150 mil
mortos e quase nove milhões de refugiados.
Se o Lago Assad, importante manancial da região, perder mais água "o sistema
vai parar de funcionar", escreveu Shamout. "Isso poderia resultar em uma
catástrofe humanitária".
Sob o controle do grupo jihadista Estado Islâmico (EI), antes conhecido como
Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS na sigla em inglês), o Lago
Assad já registrou perda recorde de 6 metros no nível da água, reporta o Al
Jazeera.
Os rebeldes controlam a maior parte do curso superior do Tigre e do
Eufrates, os dois grandes rios que fluem da Turquia e do qual todo o Iraque
e grande parte da Síria dependem para a comida, água e indústria, conforme
mostraram reportagens recentes do americano The New York Times e do
britânico The Guardian.
INCIDENTES NOS QUAIS A ÁGUA JÁ FOI USADA COMO ARMA
A história está repleta de exemplos de destruição de aquedutos, represas a
até mesmo de contaminação das fontes de água potável, métodos usados tanto
por terroristas e grupos rebeldes como por governos para atingir militares e
população civil.
Na década de 80, durante a guerra Irã-Iraque, o Irã desviou água para
inundar as defesas militares do Iraque.
Na Guerra do Golfo (1990-1991), o Iraque bombardeou as plantas de
dessalinização no Kuwait, destruindo boa parte da capacidade de produção de
água potável do país.
Mais tarde, em 1993, Saddam Hussein drenou e envenenou o Marismas da
Mesopotâmia, que garantia o suprimento de água dos árabes que se escondiam
nos pântanos.
Até mortos já foram usados para contaminar água. Na guerra do Kosovo
(1996–1999), os sérvios jogaram cadáveres em poços de suprimento em Kosovo.
AMEAÇA DO SÉCULO?
Pelo menos 260 bacias fluviais atravessam 145 fronteiras internacionais.
Muitas são utilizadas por mais de três nações.
Como em um condomínio residencial, o uso conjunto dessas reservas hídricas
tem o poder de acentuar tensões e aumentar divergências. Felizmente, há mais
casos de gestão compartilhada amigável das águas pelo mundo do que
conflitiva.
Contudo, as guerras carregam consigo uma mazela: a deterioração do meio
ambiente. Lugares que vivem mergulhados em conflitos estão mais expostos à
carência de recursos naturais, incluindo água.
Há ainda outra ameaça real à estabilidade nessas regiões: as
mudanças climáticas. Um informe das agências de inteligência dos
Estados Unidos define bem o risco. "A escassez de água doce, as secas e
inundações vão aumentar a probabilidade de que a água seja usada como arma
entre os Estados ou para outras finalidades terroristas em áreas
estratégicas, incluindo o Oriente Médio, sul da Ásia e norte da África", diz
o texto.
De acordo com o quinto relatório do Painel Intergovernamental das
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC), considerando um
cenário com uma população mundial 7% maior do que a de hoje, para cada
aumento de um grau na temperatura, haverá 20% menos disponibilidade de água.
O mundo estará preparado ou pegará em armas? |